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sábado, 13 de setembro de 2008

A Carta Magna do Espaço Cósmico

Neste ano da graça de 2007, quando se comemoram os 50 anos do início da Era Espacial, graças ao lançamento do Sputnik I pela ex-União Soviética em 4 de outubro de 1957, festejam-se também os 40 anos do principal acordo que regula internacionalmente as atividades espaciais: o Tratado do Espaço de 1967. Suas virtudes são notáveis, mas, passado tanto tempo, urge atualizá-lo.

Seu nome real é bem maior: "Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes". "Princípios" são normas básicas, orientam todas as demais. O acordo regula as "atividades dos Estados", consideradas fundamentais, pois são os Estados que respondem ante à comunidade mundial pelas atividades espaciais nacionais – públicas e privadas – e, para isso, devem não só autorizar tais atividades como exercer "vigilância continua" sobre elas. "Exploração" não significa "exploração comercial", como se poderia supor, mas "exploração científica", "pesquisa", "estudo". "Uso" indica utilização prática. E "espaço cósmico" ou "espaço exterior" não inclui apenas o váculo ou vazio sideral, por onde passam os vôos espaciais e as órbitas da Terra e dos outros corpos celestes, mas também os próprios corpos celestes de todo tipo: satélites naurais como a Lua, planetas como Marte e todos os demais do sistema solar, além dos cometas, asteróides e qualquer outro corpo celeste que possa surgir.


Assim, o Tratado do Espaço, com substancioso preâmbulo e 17 artigos, é tão abrangente quanto o âmbito em que atua. E constitui a principal referência legal para avaliar e julgar as atividades espaciais, sobretudo aquelas ainda não reguladas de forma específica.

Foi elaborado em plena Guerra Fria pelo Subcomitê Jurídico do Comitê das Nações Unidas (ONU) para o Uso Pacífico do Espaço (COPUOS), durante três anos, em trabalho de difícil harmonização conduzido pelo eminente jurista polonês Manfred Lachs, posteriormente juiz e presidente da Corte Internacional de Justiça. Aprovado pela Assembléia Geral da ONU, em 19 de dezembro de 1966, abriu-se à assinatura dos países, em 27 de janeiro de 1967, simultaneamente em Washington, Moscou e Londres. O Brasil firmou-o três dias depois, em 30 de janeiro. Como não basta a assinatura dos governos para um tratado entrar em vigor, é preciso ratificá-lo (ser aprovado pelos respectivos parlamentos), o Tratado do Espaço entrou em vigor em 10 de outubro daquele mesmo ano, após ter sido ratificado por cinco países. O Brasil não se apressou a ratificá-lo. Só o fez em 5 de março de 1969.

Vivia-se encarniçada corrida armamentista entre Estados Unidos e União Soviética, além da corrida para ver quem chegaria primeiro à Lua. Havia também a guerra do Vietnã, desencadeada pelo governo norte-americano e outros pontos "quentes" no mundo. O clima geral era de tensão. A maioria dos países e a opinião pública mundial se opunham ao conflito na Ásia e queriam a retirada das tropas de ocupação. O Tratado do Espaço, ao contrário, vinha atender aos anseios de paz e cooperação. Seu Artigo 1º, definido como "Cláusula do Bem Comum", reza que "a exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade". Esta é a regra de ouro das artividades espaciais, a pedra angular de todo o Direito Espacial.

O Brasil entrou com dois aportes históricos para melhorar ainda mais o tratado: 1) colocar o critério do bem comum, que de início constava apenas da introdução do Tratado, no seu Artigo 1º, dando-lhe um peso jurídico que da outra forma ele não teria; e 2) acrescentar a expressão "qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico", para deixar o mais claro possível que as atividades espaciais devem beneficar a todos os países, ricos e pobres, adiantados e atrasados, ou seja, independentemente do seu nível de prosperidade e de avanço científico.

Os princípios básicos adotados no Tratado do Espaço falam por si:

1) As atividades espaciais devem ser realizadas tendo em vista o bem e no interesse de todos os países (Art. 1º/1);

2) "O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade..." (Art. 1º/2);

3) O espaço e os corpos celestes são inapropriáveis: não podem ser "objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio" (Art. 2º);

4) As atividades espaciais devem efetuar-se segundo o Direito Internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas, "com a finalidade de manter a paz e a segurança internacional e de favorecer a cooperação e a compreensão internacionais" (Art. 3º);

5) É proibido pôr em órbita objetos portadores de armas de destruição em massa, ou seja, nucleares, químicas e biológicas (Art. 4º/1);

6) Todos os países "utilizarão o espaço, inclusive a Lua e demais corpos celestes, exclusivamente para fins pacíficos. Estarão proibidos nos corpos celestes o estabelecimento de bases, instalações ou fortificações militares, os ensaios de armas de qualquer tipo e a execução de manobras militares" (Art. 4º/2);

7) Os astronautas são "enviados da humanidade no espaço cósmico" e a eles será prestada "toda a assistência possível em caso de acidente, perigo ou aterrissagem forçada sobre o território de um outro Estado-Parte do Tratado ou em alto-mar" (Art. 5º);

8) Os países "têm a responsabilidade internacional pelas atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais ou por entidades não-governamentais, e de velar para que as atividades nacionais sejam efetuadas de acordo com as disposições anunciadas no presente Tratado" (Art. 6º);

9) O país que lança um objeto ao espaço ou permite que ele seja lançado de seu território ou de suas instalações será responsável pelos danos causados a outro país ou a suas pessoas naturais pelo objeto lançado ou por seus elementos constitutivos, sobre a Terra, no espaço cósmico ou no espaço aéreo, bem como nos corpos celestes (Art. 7º);

10) Realizar atividades espaciais levando em conta os interesses correpondentes dos demais países (Art. 9º);

11) Evitar atividades espaciais que causem contaminação e modificações nocivas ao meio ambiente da Terra (Art. 9º);

12) Promover consultas antes de realizar atividades espaciais capazes de prejudicar as atividades de outros países (Art. 9º).

O Tratado do Espaço foi ratificado por 98 e firmado por 27 dos 192 países membros da ONU. Quando um país assina um tratado, está reconhecendo a sua importância, mas ainda não está se comprometendo a cumprí-lo. Só a ratificação torna o tratado obrigatório para um país. Mas o Tratado do Espaço parece ter conquistado um status especial. Como nenhum país jamais lhe fez qualquer restrição, ele já teria assumido o caráter de costume consagrado por e para toda a comunidade mundial. Seria universalmente aceito como obrigação para todos os países, inclusive aqueles que não o ratificaram, nem o assinaram.

Não por acaso, o Tratado do Espaço é a matriz dos demais instrumentos sobre o espaço e as atividades espaciais, quais sejam: Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 1968; Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, de 1972; Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados no Espaço Cósmico, de 1976; e Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes, de 1979. Também se alicerçam no Tratado do Espaço as seguintes resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas: Princípios Reguladores do Uso pelos Estados de Satélites Artificiais da Terra para Transmissão Direta Internacional de Televisão, de 1982; Princípios Relativos ao Sensoriamento Remoto da Terra desde o Espaço, de 1986; Princípios Relativos ao Uso de Fontes de Energia Nuclear no Espaço Exterior, de 1992; Declaração sobre a Cooperação Internacional na Exploração e Uso do Espaço Exterior em Benefício e no Interesse de todos os Estados, Levando em Especial Consideração as Necessidades dos Países em Desenvolvimento, de 1996; e Aplicação do conceito de "Estado lançador", de 2004.

Contudo, por mais que se exalte a importância do Tratado do Espaço, é impossível ignorar que ele precisa ser atualizado – até com urgência em certos casos –, para impedir qualquer perda de sua autoridade e ampliar sua força e eficiência sobre as atividades espaciais, cada vez mais intensas e complexas.

Em 1967, ao nascer o Tratado do Espaço, o então presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson, afirmou: "Se não foi possível, até agora, livrar o planeta Terra dos instrumentos de guerra, pelo menos devemos tentar impedir o alastramento desse vírus no espaço". Mal sabia Johnson que este seria hoje, 40 anos depois, uma das mais graves lacunas do Tratado do Espaço: ele proíbe a instalação em órbita de armas de destruição, mas não outros tipos de armas, como as anti-satélite. O resultado é a nova corrida armamentista no espaço, que ora se esboça entre, pelo menos, Estados Unidos, Rússia e China. Ao não vetar todo tipo de arma espacial, o Tratado do Espaço acaba se tornando um bom pretexto para a pesquisa e o desenvolvimento de novos artefatos destinados a destruir satélites. A experiência realizada pela China em 11 de janeiro deste ano, alvejando por míssil um velho satélite de meteorologia do país, deixa claro que, enquando não houver um acordo a respeito, o espaço continuará passível de se converter em campo de batalha.

Na pauta da Conferência da ONU sobre Desarmamento, em Genebra, há um projeto russo-chinês de tratado que visa eliminar o uso de armas no espaço, mas a proposta está bloqueada pelos Estados Unidos.

Outra solução seria propor uma emenda ao Art. 4º do Tratado do Espaço, inclusindo em sua redação o compromisso dos países de não colocarem em órbita qualquer tipo de armas, sejam de destruição em massa ou não, nem usarem-nas, de qualquer forma, no espaço, no espaço em direção à Terra, ou na Terra em direção ao espaço. Por seu Art. 15, todo país que ratificou o Tratado pode propor emendas a ele, e as amendas entram em vigor para cada país após a aprovação da maioria dos países-partes. Provavelmente, a maioria dos 98 países que ratificaram o Tratado votaria a favor da tal emenda. Mas a vitória por maioria de votos poderia não resolver o problema: a emenda com certeza não teria o apoio dos Estados Unidos, e, sem esse apoio essencial, seria difícil à nova regra vetar efetivamente o uso de qualquer arma no espaço. Nesta área, como em outras, o mundo está obrigado a encontrar uma saída com a participação dos Estados Unidos – pelo menos enquanto perdurar a atual correlação de forças na arena internacional. Daí que o futuro do Tratado do Espaço, quanto a haver ou não haver guerra no espaço, depende de uma forte mudança na política da maior potência atual. Ao resto do mundo cabe discutir o tema cada vez mais e pressionar para que essa mudança se dê o quanto antes.

Se e quando for possível alterar esse quadro estratégico mais sensível, outras iniciativas para modernizar o Tratado do Espaço poderão emergir, ser debatidas democraticamente e merecer aprovação com mais facilidade.

Neste sentido, nunca é demais recordar as primeiras palavras de seu preâmbulo. Lá se afirma que os Estados-Partes do Tratado inspiram-se "nas vastas perspectivas que a descoberta do espaço cósmico pelo homem oferece à humanidade" e reconhecem "o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos".

O espírito do Tratado do Espaço, fundado na idéia de humanidade, está necessariamente comprometido com a época da globalização virtuosa, em que todos os países e povos, sem exceção, têm razões de sobra, boas e más, para se sentirem passageiros de uma imensa nave espacial, o Planeta Terra, com todos os direitos e obrigações que isso implica. O desafio hoje é fazer com que a letra do tratado busque atender mais plenamente às demandas decisivas do nosso tempo, como legítima "incumbência de toda a humanidade".

A tarefa está anos-luz distante de ser fácil e simples. Mas, afinal, somos ou não somos a única espécie inteligente conhecida até agora no Universo, capaz de descobrir os caminhos mais justos e produtivos, de discernir eticamente e de traçar o seu próprio destino?

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José Monserrat Filho *
* Vice-Presidente da SBDA, membro da Diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro da Academia Internacional de Astronáutica e do Comitê de Direito Espacial da International Law Association (ILA), autor de "Direito e Política na Era Espacial – Podemos ser mais justos no espaço do que na Terra?" (Editora Vieira&Lent, 2007) E-mail: monserrat@allternex.com.br

fonte: http://www.sbda.org.br/artigos/Anterior/37.htm

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